Política judiciária no fornecimento de medicamentos de alto custo no brasil em um ambiente de crise e de políticas de austeridade fiscalteoria, experiência e perspectivas

  1. NUNES MARQUES, KASSIO
Dirigida por:
  1. Lorenzo Mateo Bujosa Vadell Director

Universidad de defensa: Universidad de Salamanca

Fecha de defensa: 25 de septiembre de 2020

Tribunal:
  1. Marta León Alonso Presidenta
  2. Eduardo Morais da Rocha Secretario/a
  3. Newton Pereira Ramos Neto Vocal
Departamento:
  1. DERECHO ADMINISTRATIVO, FINANCIERO Y PROCESAL

Tipo: Tesis

Teseo: 669206 DIALNET

Resumen

O presente trabalho observou a intensa judicialização brasileira de fatos da vida relativos ao direito à saúde. Após certa consolidação do papel transformador da Constituição Federal de 1988, o Judiciário brasileiro passou a ingressar em várias demandas individuais relativas aos mais variados aspectos do direito à saúde, estatuído, inicialmente, no artigo 6º da Constituição, como um direito social. A partir dessa observação, problemas apareceram, tais como a potencial deturpação do papel do Poder Executivo como formulador e implementador de políticas públicas da saúde. A partir do momento em que o Judiciário começa a se projetar como árbitro legítimo a dirimir conflitos individuais voltados para demandas reprimidas por serviços médicos, a missão do Poder Executivo começaria a ser suprimida? Esse foi um dos problemas sobre os quais esse trabalho se debruçou. Nada obstante não tenha havido a pretensão de realizar um estudo detalhadamente comparativo entre o Brasil e países da União Europeia, notadamente a Espanha, esses dois referenciais, com suas trajetórias constitucionais marcadas por elementos comuns, dão o tom de boa parte das argumentações aqui expostas. Isso fez com que a ligação teórica e jurisprudencial do Brasil com a Espanha e a União Europeia pudesse ser lembrada em vários momentos, notadamente quando foi necessário incursionar com maior profundidade a roupagem dos chamados direitos sociais, notadamente o direito à saúde. A pretensão, portanto, é apresentar a roupagem teórica da qual se reveste o direito à saúde nessa quadra da história constitucional no Brasil, considerando marcos importantes da literatura especializada, nesse ponto, iluminado por autores europeus, de corrente autocontendora, cujas doutrinas têm tido uma acolhida extraordinária no Brasil. Daí não ser exagero lançar, logo no subtítulo, a pretensão de analisar o fenômeno da judicialização da saúde no Brasil à luz da prática e da doutrina do Velho Mundo. Por mais distantes que pareçam essas realidades, há sim, conexão, e devemos buscá-las ainda mais. Após expor os marcos teóricos, o trabalho pretende fazer uma revisão da jurisprudência brasileira relativa a casos marcantes de judicialização do direito à saúde. Nada obstante o foco trabalho seja o Brasil, seria provinciano recusar outras experiências institucionais importantes, a exemplo do que ocorrera na África do Sul por meio de um frutífero diálogo entre o Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário daquele país, buscando solucionar o grave problema da AIDS. Na mesma esteira busca-se a compreensão da evolução do direito à saúde e as remotas efetivações deste direito social pelo Poder Judiciário na Espanha, com esboços do que também ocorre em linhas mais evoluídas em outros países da União Europeia. Para uma melhor compreensão dos casos elencados no trabalho, pretende-se apresentar os traços mais relevantes da jurisdição constitucional contemporânea, marcada pelo ethos da força normativa da Constituição, fiel no primado da concretização do texto constitucional como forma de implementar um projeto de vida em sociedade realizado pela Assembléia Nacional Constituinte. Vale recordar que a prática constitucional brasileira passou por diversas mudanças com o advento da Constituição Federal de 1988. O surgimento da nova Carta marcava o fim de um longo período de ditadura militar e estabelecia o marco histórico do Estado Constitucional de Direito, sintonizado com a redemocratização. A partir daquele momento, já era possível vislumbrar os grandes desafios a serem enfrentados pelo poder público a fim de pôr em prática o plano constitucional. O extenso catálogo de direitos sociais demandaria, sobretudo, da larga quantia de recursos financeiros da Fazenda Pública para que fosse efetivado, pois de acordo com Jorge Miranda, “A efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais não depende apenas da aplicação das normas constitucionais concernentes à organização económica. Depende, também, e sobretudo, dos próprios factores econômicos, assim como – o que nem sempre é suficientemente tido em conta – dos condicionalismos institucionais, do modo de organização e funcionamento da administração pública e dos recursos financeiros” (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. V. 4. Coimbra: Coimbra, 1998, p. 348) Era a chegada tardia, no Brasil, do mais intenso estágio de estado do bem-estar social que a experiência constitucional desse país teve contato. Também o Poder Judiciário, especificamente, enfrenta diariamente desafios intensos no trato dos direitos sociais. Estes desafios, não raro, têm sido encarados pelos juízes, que, em grande medida, têm adotado uma postura ativa no sentido da concretização dos direitos sociais – a despeito da conflituosidade entre esta postura e o princípio da separação dos poderes, suscitada por parte da doutrina e da jurisprudência. Isso se dá, segundo parte da doutrina, em virtude do cenário constitucional marcado pela omissão legislativa no âmbito das políticas públicas. O Brasil abraçou, por meio do Supremo Tribunal Federal, a busca pela efetividade dos direitos fundamentais por meio da adoção de novos paradigmas na interpretação constitucional – dentre eles, a atribuição de normatividade aos princípios, a expansão da jurisdição constitucional e o reconhecimento de força normativa à Constituição – que passariam a nortear a atuação judicial no importante papel de concretização do projeto constitucional. Em todo o território brasileiro, de fato, a magistratura tem se mostrado uma protagonista no processo de concretização dos direitos fundamentais – de modo geral – e do direito à saúde – de modo específico. Há, no presente trabalho, demonstrações consistentes de que a quantidade de ações relativas ao acesso à saúde ajuizadas anualmente cresceu exponencialmente e de forma preocupante. No entanto, também fica demonstrado que a falta de coordenação e harmonia entre as ações do Poder Judiciário, no fenômeno conhecido como “judicialização da saúde”, e do Poder Executivo, na implantação de políticas públicas, pode oferecer riscos relevantes para o cidadão que aguarda a prestação social. Se, por um lado, a existência de um quadro de omissão inconstitucional e precariedade na prestação de serviços públicos – peculiar à prática constitucional brasileira – instaurado em torno das políticas públicas designadas para a efetivação do direito à saúde não deve impedir o Judiciário de, quando provocado, promover o desembaraço à efetivação do direito fundamental dos jurisdicionados, a falta de gerência da magistratura em termos de gestão orçamentária, por outro lado, pode provocar efeitos nocivos às políticas públicas já em andamento, podendo, eventualmente, produzir injustiças maiores que a justiça que se pretendia produzir. Não convém que o cidadão, a quem o Estado tem o dever constitucional de garantir o acesso à saúde, se veja prejudicado na fruição do direito à saúde em virtude da ação ineficiente do poder público. Neste contexto, a presente Tese se ocupa de empreender estudo a respeito das peculiaridades que permeiam o tema da efetividade do direito à saúde no Brasil, e a fixação de critérios objetivos para que o Poder Judiciário no Brasil possa continuar efetivando-o, mas sem riscos efetivos para o erário, buscando na autocontenção europeia uma inspiração para o equilíbrio de forças entre os poderes Executivo e Judiciário no Brasil. Para tanto, ciente do caráter universal da ciência jurídica e respeitoso a cunho global do qual se reveste cada vez mais as academias Europeias também serão analisadas as experiências constitucionais de outros Estados fora do bloco europeu em que foi possível verificar distinções nas medidas traçadas para o aperfeiçoamento da prestação social do direito à saúde, marcadamente os casos da África do Sul e da Colômbia. O que se pretende como resultado deste empreendimento acadêmico, é fornecer subsídios à atuação do poder público brasileiro a partir do aprendizado extraído do direito comparado na promoção do direito à saúde, não só estabelecer critérios jurisprudenciais como mecanismos eficazes quando da tramitação e efetivação deste direito, ou seja, busca-se integrar novos critérios jurídicos e também mecanismos novos na política judiciária brasileira, calcados nas matrizes teóricas europeias e na experiência de vários países, notadamente na Espanha. Cumpre, aqui, iniciar a exposição, tratando, a princípio, da concepção contemporaneamente atribuída aos direitos sociais e ao papel da jurisdição constitucional na implementação daqueles.